quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A Máquina do Vovô


     Tenho uma máquina muito antiga lá em casa. Foi do meu avô e, desde que ele comprou, há muitos anos, nunca funcionou muito bem. Dava conta do recado de forma muito insatisfatória, mas como provia o nosso sustento, não podíamos nos desfazer dela.
  
     Ninguém dava muita atenção à máquina. A manutenção ficava por conta do meu avô e o máximo que os outros faziam era reclamar quando ela parava. Quando chamados a ajudar, diziam que não entendiam nada daquilo e que não tinham como contribuir. Meu avô tocava pra frente do jeito que podia.

     A máquina funcionava à base de engrenagens que, como sabemos, tinham que estar sempre bem ajustadas. O problema é que, com o uso, o atrito e o choque de umas com as outras, elas íam se desgastando, amassando, empenando até emperrar todo o sistema. Era a hora de serem trocadas.
  
     Assim, volta e meia, quando a máquina escangalhava, meu avô comprava engrenagens novas e substiuía as defeituosas. A máquina voltava a funcionar, mas sempre deficiente. Parece que as engrenagens novas não se encaixavam muito bem com as antigas, comprometendo a eficiência do conjunto. O choque às vezes era tão grande que uma engrenagem nova era cuspida para fora da máquina, podendo até machucar quem estivesse por perto.

     Hoje meu avô não está mais com a gente, mas a máquina continua na família, dando o suficiente para sobrevivermos. Sua manutenção é caríssima e ela exige cada vez mais. Consome muito e dá pouco retorno. Inviável financeiramente. Mas fazer o que? É o nosso sustento.

     O pior não é a falta de eficiência, mas a falta de peças no mercado. As peças novas não têm a mesma qualidade das antigas. Já vêm com defeito de fábrica: amassadas, empenadas e cheias de rebarba que se soltam e vão causar problemas em outras partes.

     Um dia desses chamei um técnico, especialista na área. Ele me disse que a única solução era trocar tudo de uma vez só. Explicou que as engrenagens antigas já estavam viciadas num tipo de funcionamento e que colocar uma ou duas engrenagens novas não adiantaria. O sistema iria rejeitar.

- Tem que trocar tudo mesmo! -  disse ele.
-  E mais, há como conseguir peças de melhor qualidade que se encaixam de forma melhor. São mais resistentes às pressões internas. O sistema funcionaria bem e a eficiência aumentaria. A partir daí a manutenção seria mais fácil.

     Pensei bem, substituir tudo? Como? Utilizar somente engrenagens novas? Que nunca foram usadas? Que não têm vícios? Com poucos defeitos de fabricação? É... parece ser a saída. Vai custar caro mas vale a pena.

     Dito e feito. Reunimos a família e decidimos: engrenagem usada nunca mais! Juntamos esforços, fechamos opinião, nos organizamos e agimos. Depois de um tempo estávamos com a nossa máquina novinha, funcionando perfeitamente e com um alto rendimento.

     Tudo mudou na família. Temos a consciência de que somos todos responsáveis pela máquina. Cada um contribui à sua maneira, mas contribui. Cada um dá opinião e observa criticamente o sistema. Qualquer engrenagem suspeita é imediatamente retirada da máquina e substituida por uma nova.
  
     Não deixamos o sistema ficar viciado novamente. Estamos satisfeitos porque solucionamos, juntos, um problema que se arrastava há anos na família. E mais, sabemos que a responsabilidade pela manutenção da qualidade do sistema é de cada um de nós.

Karl Júnior.


Texto publicado no jornal TRIBUNA DE MINAS de Juiz de Fora
em 02 de março de 2008, página 2
com o título: CORRUPÇÃO NA POLÍTICA


A divindade que há em mim reverencia a divindade que há em você. Namaste

Um comentário:

Pedro disse...

Muito bom texto Karl.
Gostei do seu Blog.
Você sabe como faço para incluir alguma maneira automática de ser avisado que há um comentário no blog?
às vezes alguém cometa um post mais antigo e fico sem saber e responder.