sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

Continuação - A joaninha que estudava geometria não-euclidiana

A joaninha disse ao besouro que tinha procurado um professor de geometria que morava perto de sua casa relatando-lhe o fato ocorrido. 

O professor então explicou à joaninha que a geometria que o besouro estudava e tinha conhecimento era a euclidiana. Essa geometria era suficiente para explicar a realidade do mundo plano no qual ele vivia. Mas que em um mundo como o deles, com uma superfície esférica, essa geometria encontrava alguns problemas. Por isso, chamavam a geometria deles de não-euclidiana ou geometria dos espaços curvos. 

Essa diferença entre as geometrias causava desconforto entre os estudiosos dos dois mundos devido às inconsistências geradas entre os dois sistemas. E esses problemas eram vistos com certo preconceito porque a matemática, sendo considerada uma ciência exata, não poderia ser inconsistente.

O professor disse que para analisar o caso dos ângulos internos do triângulo iria primeiro começar observando a construção de uma reta (segmento de reta, na verdade) num espaço plano e outra num espaço de superfície esférica ambas ligando dois pontos A e B:



Vemos que nos dois espaços, "mundos", as retas desenhadas representam o menor caminho entre os dois pontos.

Estabelecida a construção das retas passemos aos triângulos:


Agora as diferenças são notáveis. Na figura da direita os pontos A, B e C foram ligados por linhas retas e que são perpendiculares, ou seja, formam ângulo de 90 graus. Portanto, a soma dos ângulos internos do triângulo ABC é 3 x 90 = 270 graus.

A joaninha já sabia que um triângulo formado por aqueles 3 pontos particulares tem todos os ângulos retos e que qualquer outro triângulo tem a soma dos ângulos maior que 180 graus. Ela não entendia porque o besouro insistia em dizer que a soma era sempre 180, coitado...

É interessante notar que o besouro, conhecedor da geometria euclidiana, não teve condições de explicar o que estava acontecendo. Isso porque não tinha conhecimento da esfericidade da superfície do mundo da joaninha. E, mesmo estando lá, devido ao seu pequeno tamanho em relação ao mundo da amiga, não teve condições de perceber a curvatura que observamos na reta quando olhamos a superfície de fora.

Esse é um dos pontos que gostaria de ressaltar: a dificuldade, ou mesmo impossibilidade, de percebermos com exatidão e completude a realidade que nos cerca. Aliás, é até difícil dizer se existe uma única realidade ou várias. Se uma linha é uma reta num mundo e no outro não e se ela atende completamente a definições divergentes, em mundos diferentes e simultâneamente é bem possível que ela pertença a duas realidades diferentes pois, numa mesma realidade, não poderíamos ter situações contraditórias principalmente tratando-se de matemática. É como se uma coisa fosse e não fosse ao mesmo tempo, algo difícil de conceber. É como se cada observador desfrutasse da sua realidade. Fazemos isso todo dia e não notamos diferenças e contradições entre as nossas realidades porque estamos sujeitos a fenômenos do mesmo tipo e de mesma ordem de grandeza. Mas se fôssemos submetidos a situações realmente extremas certamente ficaríamos surpresos.

Voltando ao assunto. Em termos reais, em qual dos dois mundos vivemos? Plano ou esférico? Somos como besouros ou como joaninhas?

A geometria euclidiana foi concebida levando em consideração um espaço sem curvatura. Isso nos leva a querer contestar a possibilidade de definir os seguimentos das figuras da direita como sendo segmentos de retas. Aliás, tem gente que vai dizer: É uma arco, não uma reta, lógico. Realmente isso faz sentido quando analisamos a superfície esférica de fora dela. E nesse caso a geometria euclidiana tem muita coisa bem definida.

Mas quando estamos inseridos nessa superfície os nosso referenciais e os nossos parâmetros são alterados. A nossa simples percepção sensorial não é capaz mais de dar conta da realidade que nos cerca. Tanto é que o besouro não foi capaz de explicar o que estava acontecendo por não perceber a curvatura sob a qual estava submetido.

Sabemos que o nosso mundo se aproxima mais do mundo da joaninha, que devido às pequenas dimensões e medidas com que lidamos no dia-a-dia ele pode ser considerado plano e que por isso nossos cálculos funcionam, os canteiros de obras podem ser esquadrinhados com precisão suficiente e os prédios são erguidos, não é? É tudo uma questão de aproximação e de desprezar erros insignificantes.

Da mesma forma que não percebemos a curvatura da terra não somos capazes de perceber a curvatura sofrida pelo espaço que vivemos quando este é submetido a um forte campo gravitacional.  Isso quer dizer que mesmo a luz de uma lanterna ou um laser, que teoricamente andaria em linha reta vai sofrer uma curvatura quando na presença de um campo gravitacional. Essa curvatura nos é imperceptível mas revelada e provada por cálculos, experiências e observações.

Esse fato coloca em cheque a noção euclidiana intuitiva do que é realmente uma linha reta e abre espaço à relativização dos conceitos e definições estabelecidos pela geometria euclidiana que sempre foram tidos como verdades absolutas.

À semelhança da mecânica clássica, a geometria euclidiana vem dando conta do nosso dia-a-dia, mas é bom ampliarmos nossa forma de ver e entender o mundo, revendo e questionando sempre os conceitos pré-estabelicidos.







A divindade que há em mim reverencia a divindade que há em você. Namaste

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